quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O “X” de Eike Batista no Amapá

Por Chico Terra

O livro é raso de conteúdo. Capítulos curtos que a todo momento destacam suas qualidades de empreendedor ousado, sortudo e obstinado pelo sucesso. Nas livraria penso que deveria estar na seção de auto-ajuda e não na de biografias. Eike não consegue se expor e acaba se posicionando ora como o “Tio Patinhas” dos negócios, ora como o esperto “Pica-Pau”.
Ao final do livro o leitor permanece com dúvidas sobre seu caráter como empreendedor, em que pese sua sólida educação paterna e materna. Eike é filho de Elieser Batista, um dos fundadores da Vale, que prefacia o livro deixando claro seu orgulho pelas realizações empresariais do filho, a quem atribui valores rígidos de caráter e generosidade. A mãe de Eike era alemã, Jutta Fuhrken, pessoa que oportunizou a Eike e seus seis irmãos uma educação exemplar. A todo momento Eike demonstra sua gratidão pela educação recebida de Elieser e Jutta.
Pesquisei a mineração no Amapá para elaborar minha tese de doutorado e tive que analisar as condutas dos empresários da mineração, de Augusto Antunes (ICOMI) a Eike Batista (Novo Astro, MPBA e MMX). No livro Eike destaca a boa performance produtiva de sua mina de ouro do Lourenço operada pela Mineração Novo Astro (MNA). Menciona ainda como “azeitou” a mina de ouro do Amapari, investindo U$18 milhões na implantação da Mineração Pedra Branca do Amapari (MPBA) e a vendeu em seguida a empresa canadense Goldcorp por U$160 milhões. No caso da mina de ferro da MMX, também implantada por Eike ao lado da mina de ouro do Amapari, fica claro que o empreendimento foi uma espécie de contrapeso da venda do Sistema Minas-Rio para a mineradora Anglo.
O que se pode perceber é que os empreendimentos de mineração de Eike no Amapá se aproximaram ou se afastaram da responsabilidade socioambiental em decorrência da gerencia local e das relações mantidas com o Governo. Os gerentes das minas de Eike no Amapá, no intuito de cumprir suas metas e por receio de serem substituídos tomaram decisões de construir relações pessoais com o Poder Político, fomentando ações de interesse individual em troca de facilidades operacionais diversas. Essa conduta fortalece a tese de que o Amapá continua se comportando politicamente como um latifúndio e não como um Estado.
No caso da Mineração Novo Astro, que operou numa região tipicamente garimpeira em um período que antecedeu a existência da política ambiental, a alta produtividade da mina permitiu que a empresa assumisse muitas atividades do Poder Público, o que de alguma forma, favoreceu a operação da mina em meio a uma tensão social controlada pelas bondades privadas e vigilância armada. Depois houve uma tentativa do Governo em transformar a Novo Astro num núcleo joalheiro operado pela Cooperativa de Garimpeiros do Lourenço. Não deu certo!
A exploração do ouro da região do Amapari pela MPBA teve investimentos de Eike em pesquisa, no licenciamento ambiental e na implantação da mina. Logo em seguida Eike vendeu a MPBA para a Goldcorp com alta taxa de lucratividade. A MPBA operou de 2004 a 2010 com relativo sucesso e organização interna. Aguarda-se uma nova fase do projeto, agora operado por outro grupo empresarial e possivelmente através de lavra subterrânea.
A implantação da mineradora de ferro MMX em 2008 carimbou negativamente a imagem de Eike. Com contrato antecipado de fornecimento de ferro, os jovens gerentes contratados por Eike para colocar o negócio para andar no Amapá, possivelmente motivados por promessas de bônus de cumprimento de metas, adotaram procedimentos que ferem todos os princípios de sustentabilidade. Em seguida o projeto foi vendido para a Anglo, deixando um passivo ético para o empresário e reforçando a incógnita do “X” da questão.
É possível que Eike volte a investir no Amapá e torço por isso. Mais experiente e com uma visão de 360 graus dos negócios, como ele destaca no livro, Eike poderá retornar para a Amazônia uma parte do que a região lhe deu em riqueza material. Ideias para investir em negócios sustentáveis no Amapá são muitas e penso que Eike está a procura de uma provocação inteligente.

Marco Antonio Chagas, doutor em desenvolvimento socioambiental pela UFPA/NAEA, professor do curso de ciências ambientais da UNIFAP.

A Ditadura Militar e a censura das telenovelas

As novelas são um dos atrativos televisivos preferidos pelos espectadores. Prova disso são os altos índices de audiência que esse tipo de programa atinge.

Além das novelas servirem como uma forma de entretenimento e diversão, elas fazem com que as pessoas se envolvam na trama e acompanhem diariamente o desenrolar da sua história. O que tem dado crédito a muitas novelas são os assuntos sociais que elas vêm tratando: uso de drogas, (homo) sexualidade, religiosidade, abuso de menores, doenças e deficiências físicas, inclusão social, alcoolismo, corrupção, entre outros.

No entanto esses temas, muitas vezes considerados polêmicos, só são discutidos porque a atual Constituição da República Federativva do Brasil, no Capítulo I ("Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos"), assegura que: "IV – é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; [...] IX- é livre a expressão de atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou licença;", ou seja, há um respaldo constitucional que garante a liberdade de expressão, a democracia e outro direitos civis.

Porém, antes de entrar nessa fase democrática e liberal, o Brasil enfrentou uma longa Ditadura Militar onde, por cerca de duas décadas os passos, as palavras, as ações e os pensamentos eram controlados rigidamente pela censura. As novelas, obviamente, não fugiram à regra.



Censura nas novelas: o que você não viu na TV

por Maria Fernanda Almeida



Durante 20 anos, criações artísticas sofreram com a Censura. Nem as meladas telenovelas escaparam da tesoura dos militares: cenas de sexo, homossexualismo, críticas à Igreja e, é claro, ao governo eram cortadas.


Era a noite de quarta-feira, 27 de agosto de 1975. Em pleno Jornal Nacional, da Rede Globo, o apresentador Cid Moreira informava que a novela Roque Santeiro, de Dias Gomes, que estrearia após o telejornal, não iria mais ao ar. Fora proibida pela Censura. Em menos de dois minutos, ele leu um texto dizendo que a novela era uma “ofensa à moral, à ordem pública e um achincalhe à Igreja”. E ponto final: estava cancelada. No lugar dela, às oito da noite, os cerca de 40 milhões de pessoas que se acotovelavam diante de seus televisores começaram a assistir a uma reprise resumida da novela Selva de Pedra. A proibição de Roque Santeiro – que seria regravada e exibida 10 anos depois, em 1985 – é só mais um capítulo, talvez o mais radical, da história da censura às telenovelas brasileiras durante a ditadura militar (1964-1985).


O início dessa verdadeira novela foi o Ato Institucional número 5, imposto em 13 de dezembro de 1968, que deu início ao período conhecido como “anos de chumbo”. A partir do AI-5, todas as produções artísticas deviam passar pela avaliação prévia da Divisão de Censura de Diversões Públicas (DCDP), órgão ligado ao Ministério da Justiça. Peças de teatro, filmes, letras de músicas e programação de rádios e TVs só eram liberados após o exame dos censores. No caso dos programas televisivos, a DCDP não determinava só em que horário as produções iriam ao ar e a classificação etária. “Muitas vezes, mutilavam a obra, cortando diálogos ou vetando trechos inteiros”, diz Renata Pallottini, professora do Núcleo de Pesquisa de Telenovela da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo.



As questões políticas não eram o único alvo dos censores. “A maioria das novelas caía no que se chamava de ‘defesa da moral e dos bons costumes’. Menções ao divórcio, adultério e homossexualismo eram vetadas”, afirma Renata. Outras vezes, os censores simplesmente não gostavam da trama ou do rumo que a história estava tomando – e dá-lhe tesoura! “Não tinha lógica nem critério. Fui censurado por coisas que jamais entendi”, diz Lauro César Muniz, autor de novelas como Escalada e Casarão.



Segundo a historiadora Beatriz Kushnir, da Universidade Federal Fluminense, a DCDP recebia cartas de diversos estados, solicitando que cenas ousadas fossem proibidas. Um exemplo eram as Senhoras de Santana, uma associação que reunia mulheres católicas do tradicional bairro paulistano: quando achavam que um programa continha cenas ousadas ou palavrões, enviavam abaixo-assinados pedindo mais rigor nos cortes. De acordo com a historiadora, muitos censores que ela entrevistou para seu livro Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988 lembravam que existia um grupo de mulheres, esposas de ministros e generais, que eram as primeiras a assistir filmes e novelas – já fazendo observações sobre o que deveria ser cortado.




O roteiro da censura das novelas era monótono. Inicialmente, a sinopse e o texto dos capítulos eram enviados para a DCDP estadual, onde grupos de no mínimo três censores os analisavam e, munidos de manuais de censura, “corrigiam” os textos. Diálogos, trechos e capítulos inteiros podiam ser vetados. Às vezes, eles chegavam ao cúmulo de sugerir conversas diferentes para os personagens. Só quando os textos eram liberados (se o fossem), a emissora era autorizada a gravar.


Com os capítulos prontos, as redes de TV ainda tinha que submeter as imagens para nova avaliação dos censores, que só aí emitiam a decisão final da liberação ou veto. Todo o processo demorava até duas semanas. E podia custar caro. No caso de Roque Santeiro, 53 capítulos estavam escritos, 36 já tinham sido gravados e dez estavam completamente editados e sonorizados (para se ter uma ideia, um capítulo de novela custa hoje cerca de 100 mil reais para a Globo). Era natural que, com o tempo, as próprias emissoras acabassem se “autocensurando” para evitar prejuízos. “A Censura estava atenta e a Globo sempre pedia a minha atenção”, diz Manoel Carlos, autor de novelas que, nos anos 70, dirigia o Fantástico, programa da emissora.


Depoimentos
Manoel Carlos: “Durante a ditadura militar, tive problemas com a Censura por conta de entrevistas em programas que eu então dirigia, como o de Bibi Ferreira e o de Hebe Camargo, nas TVs Excelsior e Record, respectivamente. Ainda na década de 70, como diretor geral do Fantástico, também recebi várias recomendações da direção da Globo para que tivesse cuidado com depoimentos de convidados, números musicais ousados e textos muito fortes. A Censura estava atenta e a Globo pedia a minha atenção.”


Lauro César Muniz: “A censura era canhestra, mesquinha, burra. Como dialogar com as toupeiras que tinham o poder de impedir nossa livre expressão? Não tinham argumentos objetivos, lógicos, nem de tipo nenhum. Era: ‘isso não pode mesmo’, ‘nosso regime tem uma clareza do que é nocivo para o público’... Tive trabalhos inteiros censurados. E muitas cenas de novelas cortadas: briga entre casais, sugestão de sexo entre personagens não casados e sequências julgadas politicamente indesejáveis.”


Aguinaldo Silva: “Conheci a censura de televisão em 1978. A partir daí, vivi momentos de grande frustração – o maior foi em 1980, com a minissérie Bandidos da Falange, proibida por três meses. Consegui burlar a Censura uma vez, num episódio da série Plantão de Polícia sobre um assassino serial que matava homossexuais. Escalamos o Cláudio Marzo para o elenco. E deu certo! A história foi liberada – para a Censura, um galã fazendo um homossexual só podia ser brincadeira. Mas, em geral, não dava para passar a perna nos censores – nós nem entendíamos o que eles queriam. Lembro que cortaram de uma história minha cenas em que a empregada falava com um gato. Fui a Brasília saber a razão. A censora responsável disse: ‘Uma pessoa que conversa com um gato? É claro que vocês estão querendo passar alguma mensagem’. Os cortes foram mantidos. E continuei perplexo.“


Profissão: censor

Eles faziam até curso de aperfeiçoamento


Quem decidia o que os brasileiros podiam ver na TV era um grupo de funcionários públicos ligado à Polícia Federal. Seus instrumentos de trabalho eram tesoura, caneta vermelha e carimbo – com a inscrição “vetado”. Foram realizados seis concursos para censor, entre 1974 e 1985 (antes, o cargo era preenchido por indicação). Para participar deles, o candidato deveria ser brasileiro e ter curso superior em áreas como Ciências Sociais ou Psicologia. As oito horas diárias de trabalho do censor eram divididas entre leitura dos roteiros e cursos de aperfeiçoamento, em que estudavam Direito e técnicas de censura. No manual do censor de novelas, algumas palavras eram proibidas, como as que se referiam às Forças Armadas (“capitão” e “coronel”) e as que podiam ser interpretadas como críticas ao governo (“agitador” e “comunista”). “No governo democrático, a Censura se preocupa mais com a moral e os bons costumes. Já no ditatorial, ela é desvirtuada e se transforma em instrumento de repressão política”, diz Coroliano Fagundes, chefe da Censura Federal no governo Sarney e o primeiro censor a ser nomeado, em 1961. “O fim da Censura foi um retrocesso, que tem levado este país a uma crise moral cada vez maior.”


Saiba mais

Livro: Cães de Guarda: Jornalistas e Censores, do AI-5 à Constituição de 1988, Beatriz Kushnir, Boitempo Editoral, 2004 - Traz um completo histórico da censura no Brasil. Inclui ainda depoimentos de censores.

FONTE: http://historia.abril.com.br/politica/censura-novelas-voce-nao-viu-tv-434615.shtml (nesse mesmo link você encontra detalhes sobre a censura nas novelas da época como: Irmãos Coragem, O Bem Amado, Escalada, Roque Santeiro, Pecado Capital e Vale Tudo).