Marines americanos urinam em cadáveres (foto: Reuters)
As imagens do cotidiano são perversas. Todos os dias a fragilidade humana, em todos os seus aspectos, é exposta sem qualquer traço de pudor. As pessoas perderam os limites da boa convivência.
O viver em sociedade impõe determinadas obrigações a cada participante da comunidade. Existem leis perenes que, durante séculos, emergiram da consciência de muitas gerações.
Formaram-se costumes e, quando estes dizem respeito à dignidade humana, devem ser preservados sob pena de se destruir a herança moral da própria civilização.
Na Grécia clássica, quando corria o ano 441 antes de Cristo, um texto foi elaborado por um autor insuperável: Sófocles. No entorno daquele ano, ele elabora drama incomparável.
Retrata a tragédia de uma jovem que, em defesa de valores, se contrapõe a seu tio, o tirano de Tebas, Creonte. O drama expõe as vilezas de quem exerce o poder sem vínculos éticos.
Dizem muitos estudiosos que o clássico texto registra a primeira manifestação em favor do Direito Natural, aquele que preexiste à própria existência das pessoas.
Creonte admoesta sua sobrinha Antígona, que ousou tripudiar sobre as leis da cidade. A resposta da jovem, prisioneira do tirano e que defende o sepultamento de seu irmão, é manifestação eterna:
Aponta Antígona para a existência de leis não escritas, mas imutáveis, que não foram editadas pelos humanos, mas vigoram sempre e ninguém sabe quando surgiram.
São as leis naturais. Muitos dizem se encontrar expressas nos provérbios populares repletos de sabedoria. O povo as repete de geração em geração e todas as tomam como verdades.
O drama de Antígona, a jovem que desejava dar sepultura a seu irmão assassinado pelo tirano, vem à tona, por inteiro, com as imagens reproduzidas nos últimos dias pelos meios de comunicação.
Marinheiros norte-americanos, no longínquo Afeganistão, urinam sobre pessoas mortas por suas armas. A imagem é melancólica. Demonstra a que grau de brutalidades leva as guerras.
Os combatentes perdem os horizontes da dignidade humana. Veem no adversário abatido alguém que deve ser tripudiado. Humilhado, ainda que morto.
As fotografias dos marines são impressionantes pela demonstração da falta de respeito atingida nas guerras modernas e de todos os tempos. Certamente, também presente no cotidiano de nossas cidades.
As pessoas perderam a compostura. Portam-se como se ação de cada um não suportasse mais limites morais e legais. E isto ocorre em todos os cenários. Não só nos campos de batalha.
Muitas autoridades perderam inteiramente a compostura. Portam-se como titular de todos os direitos sobre os cidadãos. Agem como senhores absolutistas.
Tudo podem. Não sabem que todo ato deve estar limitado pela lei e pela moral. Na contemporaneidade, as pessoas - particularmente alguns setores públicos - parecem esquecer normas primárias de comportamento.
Os marinheiros norte-americanos, na grande inconseqüência, são um retrato da perda de todos os valores herdados. Os vivos e os mortos são desrespeitados a todo o momento.
Nesta escalada de perda de valores, em breve a dignidade humana, princípio jurídico, será expressão sem significado. As pessoas se destruirão mutuamente.
É a chegada da barbárie. O fim da civilização
Por Cláudio Lembo
De São Paulo
Nenhum comentário:
Postar um comentário